quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Capítulo I - Cristian

Toda quarta-feira era sempre a mesma carteira... Sempre, e de perto, eu podia sentir o perfume. O perfume das coxas. A carteira ficava ao lado da porta, bem perto de onde ela passava... Eu abaixava a cabeça, disfarçava que dormia, sempre mastigando umas batatinhas chips, e fingindo que nada acontecia. Mas era o paraíso, confesso que era o paraíso além de tudo.
A propósito, me chamo Cristian, tenho 14 anos, estudo numa escola de super dotados, estou na 9ª série do ensino fundamental. Não gosto muito dos meus colegas, mesmo sendo inteligentes. A maioria tem objetivos estúpidos para a vida, como notas, empregos emperequetados e frescuras de dinheiro. Eu queria mais. E tudo se resumia de forma muito simples: o mais era ela. O tudo era ela. Meu coração acelerado enquanto ela ensinava mais algumas palavras e pronunciávamos em coro, meu rosto de ruborizava quando ela se aproximava... Queria saber qual era a cor favorita dela, se morava numa casa ou num apartamento, se tinha família, se gostava de dançar. E se gostasse, eu aprenderia somente para dançar com ela. Tudo que eu sabia era que ela era professora de inglês, e tinha fluência em mais algumas outras muitas línguas. Ex-aluna da escola. Ex-namorada de um primo meu. Campeã de hipismo, boa desenhista. E boa professora. E usava umas saias muito grossas, e abaixo do joelho. E as coxas... Vocês podem não acreditar, mas eu absolutamente não podia resistir a sentar naquela carteira. 
Precoce, eu? Talvez um pouco, mas eu realmente odiava todos aqueles adultos ostentosos, com os ternos e a hipocrisia, as almofadas perfumadas e as ceninhas fingidas e falsas. Eu já era adulto, mas não queria ser adulto como eles eram adultos. Exceto ela. Via em tudo nela: olheiras suaves contornando os olhos, as mãos finas e arredondadas, o rosto rosado e o hábito meio ridículo de comer aqueles doces coloridos na hora do intervalo. Ela girava o lápis entre os dedos, andava com um pé na frente do outro, e a cada passo, oh agonia... As coxas. Uma tesourando a outra como se cada passo retalhasse mais um pouquinho a minha mente. Mas não era a imagem de erotismos vulgares que eu via. Eu a via de saia mais curta, esvoaçando, deitada de lado, no gramado do parque da cidade, numa toalha de piquenique com aquele verme... Essa era uma coisa nela - talvez a única - que eu odiava. O namorado dela. O jeito que ele a abraçava... A forma como a olhava nos olhos e pedia aquele beijo no rosto, apertado, que devia ser meu... Era um total boçal. Tudo que eu queria era que ele morresse. E, acima da morte dele, queria olhar novamente a cena dela no parque, deitada de lado na mesma toalha de piquenique, com a saia. Só para poder ver pela última vez as coxas e lembrar delas no meu pós-vida. Sim, meu pós-vida. Essa noite acabo com tudo.

Um comentário:

  1. Gostei. Engraçado... esse texto me soou um pouco meu de alguma forma. Meio parecido com a minha forma de escrever, não sei porque.
    Deu curiosidade, vou continuar acompanhando.

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